Currículo Vitae

Currículo Vitae

Poeta evadido e obstinado

Impetuoso e desassossegado

Poeta de quase tudo demisso

– Mas acima de tudo insubmisso

dinismoura

terça-feira, 30 de abril de 2013

Equívoco histórico




País de exímios marinheiros,  Portugal.
         Porventura alguém saberá  explicar-me
         – Pungente paradoxo –
         Por que razão este país há muito à deriva navega
         E agora está prestes a naufragar ao largo de Espanha?
dinismoura

natal



todos os anos, por esta mesma altura
assalta-me sempre a mesma dúvida:
o que oferecer à minha filha?
ideias não faltam
– da sua mente elas irrompem abundantemente.
o problema prende-se com o erário doméstico:
se a minha colecção numismática não fosse tão parca em euros
eu  oferecia à minha filha uma boa parte do recheio que o pai natal
– esse guru do marketing, esse mago do consumismo –
tem guardado nos vastos armazéns que possui na lapónia
ou na china –  não sei bem exactificar.

há cinco anos, entre outras coisas
dei-lhe uma bicicleta “igualzinha à da rita”
(ironia esplêndida, andou nela uma vez).
há quatro anos, entre outras coisas
pus-lhe no sapatinho um belo par de sapatilhas Puma.
quando abriu a caixa sussurrou um muito seco e desiludido
“ que raio de coisa…”
 – eis o que considero um fulminante agradecimento.
no ano seguinte, não sei se minado
por algum resquício de remorso do ano transacto
sondei-lhe minudentemente, magistralmente o âmago.
resultado: dia 25, logo de manhã, tinha já enfiados
uns fabulosos patins em linha Rollerblade
– melhores, muito melhores que os das ritas, patrícias e joanas
(rolaram durante uma semana. actualmente servem de poltrona ao pó ).
há dois anos, embora muito contra  a minha vontade
lá lhe ofereci, entre outras coisas
o tão desejado Nintendo DS
que há meses vinha sonhando ininterruptamente.
no ano passado
nunca uns olhos de pai
tinham visto tanto brilho nuns olhos de filha.
a causa deste festival de alegria
foi um computador portátil Acer.
“és o melhor pai do mundo” – disse num grito estrídulo
que se prolongou até dia de reis.
(“papá, o computador já não presta” –
um queixume  que venho ouvindo há meses).

este ano, sinceramente, não vou despender
um único cêntimo em  PlayStations,  iPads,  Barbies
e outros produtos afínicos.
além do mais não quero transformar o quarto
da minha filha num museu do brinquedo
ou numa sucursal da Toys "R" Us.

este natal vai ser diferente:
estou a pensar dar-lhe um presente.


dinismoura

Pátria lacrimosa



À noite, quando o rebuliço pousa a ira do seu sangue,
Suspende o clamor e descerra o punho,
Quando a acalmaria invade os lares
E sopra na exaustão dos ânimos a inércia das pedras,
Um lamurioso murmúrio
Desconserta a primazia do silêncio.
 – É Portugal que chora.
E no chão onde cai a água de suas lágrimas,
Brotam, medram, florescem
Cravos vermelhos revoltados.
dinismoura

Quem brinca com o povo queima-se



Às vésperas da Revolução Francesa,
O povo, lacerado pelas baionetas da fome, reclama.
O povo tem fome e não tem pão
– Por isso reclama.
Abunda a fome, rareia o pão
– Por isso o povo reclama.
 “Sua Alteza, o povo não tem pão”.
Maria Antonieta, rainha de França,
De bandulho saciado,
E sentada a dedilhar a sua harpa, profere:
“Se não tem pão, que coma bolos”.

Passados mais de duzentos anos, em Portugal,
Às vésperas de não se sabe ainda do quê,
O povo começa a ter fome, a não ter pão
Por isso reclama.
Começa a abundar a fome, a rarear o pão
Por isso o povo reclama.
Pedro Passos Coelho,
Primeiro-ministro do país,
De bandulho saciado,
E na confortável poltrona da governança escarrapachado,
Profere absolutamente a mesma sentença
Da famigerada monarca absolutista,
Conquanto eufemisticamente.


Maria Antonieta
Acabou sendo decapitada na guilhotina.
 dinismoura

Questionário à minha geração


Que fazer quando os gritos não escorrem pelo vento
E as palavras submergem na indiferença do papel?
Que fazer quando as pedras da calçada não trepam ao cimo das mãos
E os cartazes desaprendem a cantar?
Que fazer quando o futuro se esconde detrás da noite
E às crianças apreendem os lápis de cor com que pintam seus sonhos?
Que fazer quando partem os vidros das janelas da dignidade
E as auroras deixam de tanger os seus sinos?
Que fazer quando proíbem as árvores de dar fruto
E tencionam emparedar o sol?
Que fazer quando a esperança recusa uma flor
E decretam ilegal ouvir um pássaro cantar?
Que fazer quando ao inverno sucedem estações brumosas de incertezas?
Que fazer quando o povo advém uma apática, submissa e vergada estátua de carne?
Que fazer quando o silêncio é o espelho da nossa indignação?
Que fazer quando o choro é uma pungente canção que alaga incessantemente os nossos olhos?
Que fazer quando o chão das nossas ruas carcome as solas da nossa coragem?
Que fazer quando nos estendais das nossas vivências apenas estendemos lençóis de desânimo?
Que fazer quando a nossa felicidade é uma hipoteca na mão de inexoráveis e irremediáveis usurários?
Que fazer quando a uma sucessão de fulcrais questões a mesmíssima resposta nos basta?
Que fazer quando a cúpula do nosso quotidiano se deteriora defronte da penumbra do nosso desleixo?
Que fazer quando a água das nossas fontes tem um travo de secura?
Que fazer quando os relógios têm percursos meândricos?
 Que fazer quando o acordar é uma gélida mão a espremer-nos o coração?
Que fazer quando a nossa opinião é uma casa às escuras?
Que fazer quando o nosso sono somente suscita insónias ou pesadelos?
Que fazer quando o nosso alento é uma moribunda sombra de lama?
Que fazer quando já não sabemos o que havemos de fazer?
Que fazer quando tudo aquilo que fizemos está a desfazer-se?
Que fazer quando todos os nossos caminhos vão ter ao país de onde queremos fugir?

dinismoura

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Grafitis



       
         (I)


            Em Portugal

as maçãs

caem longe das macieiras

 


(II)

Em Portugal

o sol

nasce nas traseiras do poente

 

 
(III)

Portugal ultimamente

é uma nação que não tem existido

– tem acontecido

 
 

 (IV)

Portugal metafisicamente

está a tornar-se a pouco e pouco

uma anarquia paranoicamente ingovernável

 

dinismoura