A
Gonçalo Brito Cabral
Estou sozinhamente
sentado num muro de granito,
Num muro igual a esses
que sustêm valentemente
Os socalcos que te
sustêm, Loriga.
Tu preferes chamar-lhes
de cômbaros.
Concordo contigo quando
dizes que cômbaro
É uma palavra mais
sonante, mais rochosa,
Mais vibrante, mais
enérgica, mais telúrica.
Eu acrescentaria ainda
que é também mais poética.
– Direi portanto que
estou sentado num cômbaro.
Diante dos meus olhos
absortos,
Imperturbável, serena,
sorridente,
Ali está ela, a bela
anciã,
Sentada na sua poltrona
de granito,
Com seu diadema
incrustado de suaves névoas,
Olhando com placidez e
deleitação
As ribeiras, os
pinhais, o casario aconchegado
E este céu
inexplicavelmente tão azul.
Ali está ela, a
imponente filha da natureza,
Contando carinhosa e
paciente
As suas histórias às
fragas, aos pássaros,
Aos ventos e aos olhos
que sabem escutá-la.
Cerca-me, banha-me uma
doce, sadia e odorante
Mescla de fragâncias
que vem de soltar-se
Dos giestais e dos
urzedos.
Envolve-me o melódico
Zunzunar das abelhas,
O aprazível cantar dos
grilos,
Embala-me o melopeico
chilreio
Dos melros e
pintassilgos.
– Oh! Em nenhum outro
lugar eles chilreiam como aqui!
E que gáudio para a
alma
Ouvir as cantigas das
levadas –
Regam-me de alegria
todos os meus sentidos!
Oh, que idílio, que
festividade,
Que grinalda de
deslumbres
Estar aqui neste
exultante desfrute!
Toca um telemóvel.
A súbitas, tudo se cala, desmantela, esvanece.
– Afinal – afiado gume
de desilusão –,
Estou sentado na moleza
de uma esponjosa cadeira…
Distante…
Acometido de um intenso
surto de saudade,
Deu-me para devanear,
delirar cenários,
Entressonhar cores,
sons e aromas.
Por momentos, senti-me
verdadeiramente ao pé de ti,
Contemplando a Serra da
Estrela,
Contemplando encantado
os teus encantos.
Loriga, soberbo milagre
de granito e verdor,
Meu benquisto regaço
onde cresci,
Desde que de ti me
apartei,
Dentro de mim
Uma vila como tu a
erigir comecei.
Todavia, esta Loriga
Que dentro de mim está
a nascer,
Não se regerá nem pelo
tempo
Nem tampouco pelas
estações.
Nesta Loriga, todos os
dias do ano
Nas ribeiras poderei
nadar.
– Ribeiras que serão
como as tuas:
Uma joalharia com
ornatos de prata a fulgir
E cristais em mirífica
crepitação.
Nesta Loriga, por
diversas vezes será Natal.
– Natais que serão como
os que aí deixei:
Consoada com a família,
na mesa lauta
Muito bacalhau cozido,
couves, e azeite a abençoar.
Depois, Missa do Galo à
meia-noite,
O calor mágico dos
tocos na fogueira a resplandecer,
O cantar das janeiras,
e as filhoses
Confeiçoadas pela minha
avó, que Deus tem.
Nesta Loriga, irei
amiúde ao adro da igreja
Jogar à apanhada e
apanhar aqueles
Que na infância não
apanhei.
Nesta Loriga, todos os
dias, ao acordar,
Irei à janela do meu
quarto
Rechear os pulmões de
ar.
– Um ar que será como o
que aí se respira:
Um ar que, de tão puro,
Faz de ferro duro
quaisquer pulmões.
Nesta Loriga, as noites
serão sempre
De lua cheia e
atulhadas de estrelas.
– Assim, todos os dias,
ao anoitecer,
À Fândega rumarei para
contemplar o luar
Dançando com o orvalho
na Canada.
Nesta Loriga, em todas
as madrugadas de domingo
Virei para as ruas
ouvir a Amenta das Almas,
E com garganta
ressonante
Cantarei também dolorosamente
O langue Estava a Mãe Dolorosa.
Nesta Loriga, todos os
primeiros domingos de cada mês
Festejarei a Nossa
Senhora da Guia.
– Será mesmamente igual
à tua:
Haverá intermináveis
procissões, estrepitantes foguetes,
Colchas sumptuosas
pendendo das varandas,
Uma profusão de cravos,
dálias e rosas
A jorrar das janelas,
E vistosos e
fulgurantes fogos-de-artifício.
Nesta Loriga, nevará
quando eu quiser.
– Terei uma neve como a
tua:
De uma admirável
alvinitência,
Com subtilezas de
bailarina
E cheia de musicalidade
ao cair.
Nesta Loriga, o sol, ao
pôr-se,
Ficará pousado na linha
de horizonte
O tempo que eu desejar.
– Um sol-posto que será
Tão inebriante como o
teu:
Um bolbo candente a
bordar
Radiosamente ígneas
pétalas róseas no céu.
Loriga, saudoso torrão
onde cresci,
Amado e venerado torrão
Nas faldas da Serra da
Estrela,
Neste momento és em mim
distância,
Lembrança e saudade a
latejar,
Mas logo, logo serás
proximidade,
Realidade, matéria e
santuário
Nos cumes do que sinto
por ti.
dinismoura