Currículo Vitae

Currículo Vitae

Poeta evadido e obstinado

Impetuoso e desassossegado

Poeta de quase tudo demisso

– Mas acima de tudo insubmisso

dinismoura

sexta-feira, 31 de maio de 2013

poematizando ao jeito de Mia Couto

(dedicado ao próprio)

se a este poema pretendes sacar o sentido,
terás de tornar-te, além de aguerrido,
atleitor de alta compoetização.
se assim não for, demite-te de tal pretensão,
pois jamais aquistarás as vitais compoemências
– é que a poesia também tem as suas exigências.


dinismoura

burocracia luxemburguesa


quando  se trata de estacões,
equinócios, solstícios
e semelhantes questões,
neste país de expeditas resoluções,
a burocracia, essa cavalgadura,
intromete-se, instala-se:
impõe a sua ditadura.
a primavera, este ano, por exemplo,
já perdeu a conta aos requerimentos,
dores de cabeça, horas de espera,
declarações e outros documentos.
estamos em fins de maio,
e esta temperada e amena estação
ainda não obteve a sua licença:
– exigem-lhe uma certidão.
o inverno, esse, anda há meses
à espera de um visto:
por causa disso, continuamos nisto:
chuva, chuva… – inclusive frio: uma chatice.
– até quando esta casmurrice?
o verão, pelos vistos,
espera-o  semelhante trato:
havemos de chegar a outubro,
e este à espera de contrato.

dinismoura


terça-feira, 28 de maio de 2013

Não te metas na minha vida
destino
Ela é irascível
e tem garras de felino

dinismoura

Lições de álgebra elementar

Nas más amizades
um mais um dá zero
Nas boas amizades
um mais um dá três.
– Isto contas de um matemático
Que das amizades as contas fez.


dinismoura

sábado, 25 de maio de 2013

o sol luxemburguês


(crónica sobre um astro desleixado)

o sol deste país
é de uma perturbante estranheza:
desde que obteve
a nacionalidade luxemburguesa,
não sei que nuvem lhe mordeu,
que do seu ofício se esqueceu.
o sol deste país
brilha, evidentemente,
mas brilha de modo diferente,
ou seja, quase  não brilha, o incompetente.
o sol deste país
– que nublada desilusão –
desaprendeu os dons da magia:
um transtorno, um temporal
–  um insulto à meteorologia.

                                               Maio 2013
                                              dinismoura

segunda-feira, 20 de maio de 2013

teorias e seus efeitos secundários


surgem tantas teorias, mas tantas teorias
quando um assunto ganha proporção,
que acabamos ganhando vigorosas alergias:
na paciência, edemas; nas ideias, comichão. 
                                                                                   dinismoura

amor


somente as cordas vocais dos amantes prodigiosos
têm a virtuosidade plena para tanger com apuro o amor
- cantiga que abrolha nos inescrutáveis jardins
desse ambicioso músculo chamado coração. 
                                                                                            
                                                                                               dinismoura

Lu(C)iana


Num céu embutido
De vistosas estrelas
A noite escreveu
Douradamente
Uma letra do teu nome
– Quarto minguante.

dinismoura

Não
Eu não vou morrer
Vai acontecer-me algo sublime, inaudito
Extravagante, excelso e fascinante:
Vou estilhaçar
Esplendorosamente
Vou estilhaçar
Numa folia de cores fulgurantes
Vou estilhaçar
Porque sou
Vitral de catedral.
                        
dinismoura

quando um encontro
é de tamanha importância
podemos designá-lo de encontrão?
mas quando ocorre um encontrão
pode alguém cair no chão.
pensando melhor
mais vale deixar as gramáticas como estão
- não vá um inóxio aumentativo
fazer alguém cair no chão.
                                                                dinismoura

sábado, 18 de maio de 2013

Sugestão


(Aos meus amigos)

Hoje à noite, alteremos os nossos planos.
À rotina, essa intrometida,
Nem digamos aonde vamos.
Hoje à noite, ao invés do café habitual,
Marquemos encontro na minha poesia,
Lugar com esplanada para o sensacional.
Meus dilectos, o que acham da ideia?
Óptimo! Vemo-nos às dez e meia.

                                                                   dinismoura 




quarta-feira, 15 de maio de 2013

Reveses do amor

Hoje fui multado
por excesso de sentimento:
primeira vez que tal 
a um apaixonado sucede
– pelo menos que eu tenha conhecimento.
                                                                                       dinismoura

domingo, 12 de maio de 2013

SMS para Luci



O meu coração é original 
mas sobretudo excêntrico:
tem-me a mim por fora
e a ti lá dentro.

                                                                                                 dinismoura

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Despertar


Abrir um livro de poesia ávido por devir corpóreo
e descomedido sorver-lhe uma metáfora
desmesuradamente extravagante e perdulária.
Num dia cercado de primavera
e com um sol a rebolar de contente
pelas ribanceiras do céu da manhã
– que melhor maneira de acordar do que esta?
                                                                                    
                                                                                               dinismoura 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Veredicto da insubstancialidade


Já não sou eu quem anda por aí:
são pedaços consúteis de mim
ostentando  a minha
imperceptível existência.  


                                                        dinismoura

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Loriga



A Gonçalo Brito Cabral
Estou sozinhamente sentado num muro de granito,
Num muro igual a esses que sustêm valentemente
Os socalcos que te sustêm, Loriga.
Tu preferes chamar-lhes de cômbaros.
Concordo contigo quando dizes que cômbaro
É uma palavra mais sonante, mais rochosa,
Mais vibrante, mais enérgica, mais telúrica.
Eu acrescentaria ainda que é também mais poética.
– Direi portanto que estou sentado num cômbaro.
Diante dos meus olhos absortos,
Imperturbável, serena, sorridente,
Ali está ela, a bela anciã,
Sentada na sua poltrona de granito,
Com seu diadema incrustado de suaves névoas,
Olhando com placidez e deleitação
As ribeiras, os pinhais, o casario aconchegado
E este céu inexplicavelmente tão azul.
Ali está ela, a imponente filha da natureza,
Contando carinhosa e paciente
As suas histórias às fragas, aos pássaros,
Aos ventos e aos olhos que sabem escutá-la.
Cerca-me, banha-me uma doce, sadia e odorante
Mescla de fragâncias que vem de soltar-se
Dos giestais e dos urzedos.
Envolve-me o melódico
Zunzunar das abelhas,
O aprazível cantar dos grilos,
Embala-me o melopeico chilreio
Dos melros e pintassilgos.
– Oh! Em nenhum outro lugar eles chilreiam como aqui!
E que gáudio para a alma
Ouvir as cantigas das levadas –
Regam-me de alegria todos os meus sentidos!
Oh, que idílio, que festividade,
Que grinalda de deslumbres
Estar aqui neste exultante desfrute!

Toca um telemóvel.
 A súbitas, tudo se cala, desmantela, esvanece.
– Afinal – afiado gume de desilusão –,
Estou sentado na moleza de uma esponjosa cadeira…
Distante…

Acometido de um intenso surto de saudade,
Deu-me para devanear, delirar cenários,
Entressonhar cores, sons e aromas.
Por momentos, senti-me verdadeiramente ao pé de ti,
Contemplando a Serra da Estrela,
Contemplando encantado os teus encantos.
Loriga, soberbo milagre de granito e verdor,
Meu benquisto regaço onde cresci,
Desde que de ti me apartei,
Dentro de mim
Uma vila como tu a erigir comecei.
Todavia, esta Loriga
Que dentro de mim está a nascer,
Não se regerá nem pelo tempo
Nem tampouco pelas estações.
Nesta Loriga, todos os dias do ano
Nas ribeiras poderei nadar.
– Ribeiras que serão como as tuas:
Uma joalharia com ornatos de prata a fulgir
E cristais em mirífica crepitação.
Nesta Loriga, por diversas vezes será Natal.
– Natais que serão como os que aí deixei:
Consoada com a família, na mesa lauta
Muito bacalhau cozido, couves, e azeite a abençoar.
Depois, Missa do Galo à meia-noite,
O calor mágico dos tocos na fogueira a resplandecer,
O cantar das janeiras, e as filhoses
Confeiçoadas pela minha avó, que Deus tem.
Nesta Loriga, irei amiúde ao adro da igreja
Jogar à apanhada e apanhar aqueles
Que na infância não apanhei.
Nesta Loriga, todos os dias, ao acordar,
Irei à janela do meu quarto
Rechear os pulmões de ar.
– Um ar que será como o que aí se respira:
Um ar que, de tão puro,
Faz de ferro duro quaisquer pulmões.
Nesta Loriga, as noites serão sempre
De lua cheia e atulhadas de estrelas.
– Assim, todos os dias, ao anoitecer,
À Fândega rumarei para contemplar o luar
Dançando com o orvalho na Canada.
Nesta Loriga, em todas as madrugadas de domingo
Virei para as ruas ouvir a Amenta das Almas,
E com garganta ressonante
Cantarei também dolorosamente
O langue Estava a Mãe Dolorosa.
Nesta Loriga, todos os primeiros domingos de cada mês
Festejarei a Nossa Senhora da Guia.
– Será mesmamente igual à tua:
Haverá intermináveis procissões, estrepitantes foguetes,
Colchas sumptuosas pendendo das varandas,
Uma profusão de cravos, dálias e rosas
A jorrar das janelas,
E vistosos e fulgurantes fogos-de-artifício.
Nesta Loriga, nevará quando eu quiser.
– Terei uma neve como a tua:
De uma admirável alvinitência,
Com subtilezas de bailarina
E cheia de musicalidade ao cair.
Nesta Loriga, o sol, ao pôr-se,
Ficará pousado na linha de horizonte
O tempo que eu desejar.
– Um sol-posto que será
Tão inebriante como o teu:
Um bolbo candente a bordar
Radiosamente ígneas pétalas róseas no céu.
Loriga, saudoso torrão onde cresci,
Amado e venerado torrão
Nas faldas da Serra da Estrela,
Neste momento és em mim distância,
Lembrança e saudade a latejar,
Mas logo, logo serás proximidade,
Realidade, matéria e santuário
Nos cumes do que sinto por ti.
 dinismoura

Sangue


O meu sangue tem essa cor de gritar a justiça,
Tem essa voz incalável de cantar a liberdade.
– Meu sangue, que no mastro do desespero,
Desfralda uma pujante bandeira de esperança.

O meu sangue sai do coração, uma cancão revoltosa,
E vívido, imáculo, destemido, desprovido de armas,
Circula pelas ruas, praças e avenidas das cidades.
Abnegado, pela sombra da inquietação ao coração retorna,
Para seguidamente mais vigoroso sair.
O meu sangue retorna revigorado pelas lágrimas
Dessa pátria fugente, atormentada,
 Que busca os pomares de um futuro habitável.
– Meu sangue,
Que canta altíssonas as sílabas
Dos sonhos concretos escondidos
No silêncio de gargantas amordaçadas.

Mas os déspotas, os mantedores da tirania,
Os guardiões do medo no coração das pessoas,
Querem desmantelar este músculo de fogo destemeroso,
Querem coagular este fluente sangue, líquido incomodante,
Com balas de censura, com muros de opressão.

Mas o meu sangue não teme ameaças,
Não teme armas apontadas à perseverança.
Mesmo no chão, derramado, sujo, cuspido,
Mesmo pisado, repisado e seco,
O meu sangue terá sempre
Essa cor de gritar a justiça,
Essa voz incalável de cantar a liberdade.
– Meu sangue, que no mastro do desespero,
Desfralda uma pujante bandeira de esperança.



dinismoura

Lisboa



A Luciana

Lisboa, cidade do fulgente brancor dourado,
Benditos sejam os teus ébrios mármores e azulejos baptizados de luz,
Assim como as laranjas maduras que flutuam nos teus telhados
Bendito seja o sol festivo, efusivo e inundante que desfila nas tuas veias
Bendito seja esse teu oloroso e embevecente perfume
Que usas desde o tempo em que eras capital de um império
Bendita seja essa guitarra cantadeira de fados que trazes ao peito
Benditos sejam esses amanheceres de oiro que dependurados no seu grasnar
As gaivotas trazem do coração do mar
Benditos sejam os jacarandás e as buganvílias que ornam tua gracilidade,
Assim como as tuas rendilhadas calçadas, onde descalça adoras dançar
Lisboa, cais de todas as saudades,
Benditas sejam as tuas praças, largos, avenidas, ruas e ruelas,
Onde com esse teu jeito de moçoila de formas fartas,
 Grácil, solene e pavonesca passeias,
E pelos passeantes te deixas cortejar, bajular e seduzir
Benditos sejam os teus miradoiros,
Deleitosos camarotes onde a tua nudez concedes contemplar
Bendito seja o teu amante Tejo, eterno amante,
 Amante fiel, amante amorável e sempre disponível
Benditos sejam os beijos constantes e apaixonados que trocais
 E a volúpia inflamada com que vos abraçais
Lisboa, sereia cujo canto e encanto encantou Ulisses,
Bendita sejas porque namoras e fazes amor com todos aqueles que te amam e desejam
Bendita sejas porque és o templo onde a luz vem cantar-se, festejar-se, sacralizar-se

Ó Lisboa, ó manancial da claridade,
Bendita sejas porque a inspiração dos poetas atiças vivamente
E do coração ao pensamento lhes suscitas poemas.

 dinismoura

Mudança


Diziam os poetas da Grécia antiga
Que os meteoros
Eram lágrimas de estrelas chorosas.
Nos dias que correm
As estrelas deram em chorosas
– Choram porque já ninguém delas diz
O que os poetas da Grécia antiga diziam.

 dinismoura