(Num
banco do Rossio)
Portugal
padece de uma síndroma misteriosa
uma
síndroma incurável atávica congénita e contagiosa que afecta sobretudo
o
sangue que irriga as entrosas do ânimo e o fulcro da motivação
Portugal
não venceu ainda o mais temível dos Adamastores –
essa
magoada apatia que o impede de tornar-se o timoneiro do seu ideal
Portugal
aboliu provisoriamente da sua bandeira a cor da esperança−
o
verde que tem é descor desdém náusea e marasmo − um vitral doloroso
Portugal
tem mais de oitocentos anos
mas
de quando em vez tem atitudes de uma infantilidade pungente
Portugal
é um poema épico cujos seus mais recentes cantos ele mesmo
tem
impunemente e sacrilegamente despoetizado
–
Valha-nos São Camões e as suas Tágides
Portugal
é um Panteão de alienados amordaçados por uma cegueira
que
apenas consente uma ilusão fugaz
Portugal tem todas as caravelas e naus fundeadas nos seus portos
e os seus navegantes
desconhecedores da cartografia dos sonhos
esqueceram definitivamente os caminhos para todas as Índias
Portugal tem ainda por concluir vários Mosteiros dos Jerónimos
Portugal ultimamente
tem-se fechado em igrejas de
melancolia a cismar o seu epitáfio
–
Ah se não fosses a minha pátria juro-te
pespegava-te com os Lusíadas
nas fuças!
(Peço
perdão… pretendia escrever semblante)
Portugal
já não sonha casar com uma princesa – Que sonhas tu meu
país que sonhas tu?
Portugal
é o único país do Ocidente que faz fronteira com a Europa
Portugal muito estranhamente não possui uma embaixada nas estrelas
Portugal
tem falta de políticas de destino transcendência e ambição
Portugal
dá todas as suas rosas à desesperação
–
Ó pátria moribunda antes desses
silvas urtigas ou
cardos
Portugal
não viu nascer ainda aquele que o salvará das utopias que pretendem salvá-lo
Portugal
há muito não assoma à Janela do Convento de Cristo de Tomar
Portugal
perdeu o salutar hábito de passear pelo jardim que ele mesmo plantou à beira-mar
Portugal
não acorda da sonífera vigília
que
o impede de despertar de um carcerário sonambulismo
Portugal
de outrora estava sedento de aventura
–
nos dias que correm está saciado de desventura
Portugal
descobriu vários tantos Brasis mas
agora não sai mais de si
–
isso é mais que naufrágio: é Alcácer Quibir
Portugal
ainda não se deu conta da via crucis que
está a construir em direcção ao futuro
–
Além disso amargura cruciante não vejo nesta terra cireneu algum apto
para auxiliar coisa alguma
Portugal
conseguiu curar a febre que o mantinha sadio
Portugal
teima em manter-se sebastianisticamente embriagado de messianismos e afins
–
Basta! Bebe realidade caramba.
Portugal
perdeu irremediavelmente o estatuto de potência espiritual
–
Agora terá de expiar gigântico pecado
Portugal
ignora de todo o paradeiro dos padrões que pretendia erguer no futuro
Portugal
teve a demente repugnante
odiosa e vil coragem
de promulgar uma verminosa nociva
sacrílega e pateta lei
que
tenciona encerrar todas as Escolas de Sagres
–
E a turba atónita nem um brado dispara…
(Que cambada de exímios paspalhos… )
Portugal
mergulhou no verdete do esquecimento as estátuas dos seus avós-santos-heróis
Portugal
há muito deixou de ser hábil na arte de acreditar nas suas forças
Portugal
menoscaba a voz dos seus poetas
– e isso
consequentemente está a
carcomer a medula das arcadas
que
sustêm o pulsar de todos os seus sonhos
Portugal
é uma nação de portugueses desterrados que sonham poder um dia voltar ao seu
país
Portugal
corre o seriíssimo risco de vir a ser julgado por crime de lesa-pátria e
animicídio
Registo
tudo isto
apavorado temente
atormentado
com uma dolência descomunal
Registo
tudo isto
como
quem matuta na iminência da própria morte
–
Ao mesmo tempo um surto de raiva voraz
adentra-me
provocando
em mim uma indomável e cruenta ânsia de revolta
dinismoura