Currículo Vitae

Currículo Vitae

Poeta evadido e obstinado

Impetuoso e desassossegado

Poeta de quase tudo demisso

– Mas acima de tudo insubmisso

dinismoura

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Ontem, num acesso súbito de poesia,
trepei pelas laboriosas paredes do céu acima,
paráfrase de aves ambiciosas,
irrupção acrobática que os meus
versos jamais conseguirão narrar.
Chegado ao telhado, lá onde
a inefabilidade lavra os seus alicerces,
sorvi a luz de todas as estrelas.
Nem as cadentes escaparam.
A Lua, que presenciou
toda esta fremente e irrepetível paisagem,
ficou fascinada, pulou de delírio
e gritou repetidamente
retinintes vocábulos vistosos. 
Depois, totalmente eufórica,
com a face iluminada,
veio ter comigo, cumprimentou-me,
elogiou-me e pediu-me um autógrafo.
As edições impressas e digitais
dos diários de hoje não falam de outra coisa.
Nasceu uma nova estrela, noticiam
em garridas, espantadas, graúdas
e mirabolantes manchetes todos eles.

dinismoura

domingo, 27 de outubro de 2013

Acto de Contrição


Meu Deus,
porque sois tão bom,
tenho muita pena por nunca
Vos ter compreendido.
Se isto é pecado, perdoai-me,
E ajudai-me a não tornar a pecar.

dinismoura 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

E-mail a Álvaro de Campos

Estive ontem com
o Esteves sem metafísica:
encontrámo-nos casualmente
à porta da Tabacaria.
Anda turbado com as demandas
do país, confessou-me, pesaroso.
Além disso, pesa-lhe o estigma
da sua condição de desempregado.
Pouquíssimo  mais disse, o nosso Esteves.
Cabisbaixo, meteu depois o troco
na algibeira das calças e, com
um ar penetrantemente apagado,
acendeu um cigarro.
Ultimamente tenho fumado
quatro maços de cigarro por dia,
disse-me, com uma voz tão magra
quão a sua cara, antes de partir.


dinismoura

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Atestado médico


Cursei medicina, aprofundei  a anatomia,

Especializei-me em fisiologia.

Depois, meu  adorado  organismo

Composto de devaneios de primavera, conheci-te.

Deslumbrou-se o meu encéfalo,

O meu sistema  endócrino desregulou-se de todo.

Resultado: tu bem sabes:

apaixonei-me por ti, desmedidamente,

O que  mostra perfeitamente a medida

Daquilo que me é impossível medir.

Só para teres uma ideia, a admirável pigmentação

Das tuas íris  de tal modo contaminou as minhas,

Que durante cinco dias tudo, tudo em meu redor

Ganhou tons de pôr de sol outonal.

Um daltonismo esplêndido. 

Entretanto o meu coração, órgão vital

Com as suas duas válvulas, os seus  dois ventrículos

E as suas duas aurículas,

Passou  a contrair e a distender os seus compartimentos

De maneira mirífica, mais intensa, mais exaltada.

Nunca este músculo me tangeu assim tão irrequieto.

Perplexo, decidi analisar o inesperado  fenómeno.

Não muito tempo depois, esbarrei,

Espanto de fogueira, com uma estranheza anatómica:

Ao contrário do que a medicina me ensinou,

Revelaram-me as minhas examinações, pasmei,

Que um órgão vital possuo a mais. Não quis crer.

Decidi reexaminar. Tal-qualmente o mesmo resultado:

No interior da minha cavidade torácica,

Os meus mestres não iriam acreditar,

Com um outro coração me deparei : o teu.

O teu, o teu colorido coração, meu adorado

organismo composto de devaneios de primavera.

Nas minhas artérias e nas minhas veias

Circula também  o teu sangue,

Líquido vermelho e  viscoso que nutre

Esse  extraordinário órgão

Segregante de espantosas e eufóricas auroras

Tão vital para mim quanto

Os demais órgãos do corpo humano.

Falo obviamente do amor,

Um órgão totalmente alheio à medicina.

De acordo com o mencionado,

Mais o quadro clínico apresentado,

Atesto que sou portador

De uma prodigiosa síndrome,

Vendaval vivificante, confluência  de encantamentos,

O que me confere uma capacidade permanecente

De manobrar o leme da burocracia das estrelas,

As rédeas do canto das aves, a alavanca das ambições das flores.



dinismoura

terça-feira, 2 de julho de 2013

Elegia de um português cismativo


(Num banco do Rossio)

Portugal padece de uma síndroma misteriosa     
uma síndroma incurável    atávica    congénita e contagiosa que afecta sobretudo
o sangue que irriga as entrosas do ânimo e o fulcro da motivação
Portugal não venceu ainda o mais temível dos Adamastores –
essa magoada apatia que o impede de tornar-se o timoneiro do seu ideal
Portugal aboliu provisoriamente da sua bandeira a cor da esperança−
o verde que tem é descor    desdém    náusea e marasmo − um vitral doloroso
Portugal tem mais de oitocentos anos
mas de quando em vez tem atitudes de uma infantilidade pungente
Portugal é um poema épico cujos seus mais recentes cantos ele mesmo
tem impunemente e sacrilegamente despoetizado
– Valha-nos São Camões e as suas Tágides
Portugal é um Panteão de alienados amordaçados por uma cegueira
que apenas consente uma ilusão fugaz
Portugal tem todas as caravelas e naus fundeadas nos seus portos
e os seus navegantes     desconhecedores da cartografia dos sonhos
esqueceram definitivamente os caminhos para todas as Índias
Portugal tem ainda por concluir vários Mosteiros dos Jerónimos
Portugal    ultimamente    tem-se fechado em igrejas de melancolia a cismar o seu epitáfio
– Ah     se não fosses a minha pátria     juro-te     pespegava-te com os Lusíadas nas fuças!
(Peço perdão…     pretendia escrever semblante)
Portugal já não sonha casar com uma princesa – Que sonhas tu     meu país     que sonhas tu?
Portugal é o único país do Ocidente que faz fronteira com a Europa
Portugal     muito estranhamente     não possui uma embaixada nas estrelas 
Portugal tem falta de políticas de destino    transcendência e ambição
Portugal dá todas as suas rosas à desesperação
– Ó pátria moribunda     antes desses silvas     urtigas    ou cardos
Portugal não viu nascer ainda aquele que o salvará das utopias que pretendem salvá-lo
Portugal há muito não assoma à Janela do Convento de Cristo de Tomar
Portugal perdeu o salutar hábito de passear pelo jardim que ele mesmo plantou à beira-mar
Portugal não acorda da sonífera vigília
que o impede de despertar de um carcerário sonambulismo
Portugal de outrora estava sedento de aventura
– nos dias que correm está saciado de desventura
Portugal descobriu vários tantos Brasis      mas agora não sai mais de si
– isso é mais que naufrágio: é Alcácer Quibir
Portugal ainda não se deu conta da via crucis que está a construir em direcção ao futuro
– Além disso     amargura cruciante     não vejo nesta terra cireneu algum apto para auxiliar coisa alguma
Portugal conseguiu curar a febre que o mantinha sadio
Portugal teima em manter-se sebastianisticamente embriagado de messianismos e afins
– Basta! Bebe realidade     caramba.
Portugal perdeu irremediavelmente o estatuto de potência espiritual
– Agora terá de expiar gigântico pecado
Portugal ignora de todo o paradeiro dos padrões que pretendia erguer no futuro
Portugal teve a demente    repugnante    odiosa e vil coragem
 de promulgar uma verminosa    nociva    sacrílega e pateta lei
que tenciona encerrar todas as Escolas de Sagres
– E a turba atónita nem um brado dispara…    (Que cambada de exímios paspalhos… )  
Portugal mergulhou no verdete do esquecimento as estátuas dos seus avós-santos-heróis
Portugal há muito deixou de ser hábil na arte de acreditar nas suas forças
Portugal menoscaba a voz dos seus poetas
 – e isso     consequentemente      está a carcomer  a medula das arcadas
que sustêm o pulsar de todos os seus sonhos
Portugal é uma nação de portugueses desterrados que sonham poder um dia voltar ao seu país
Portugal corre o seriíssimo risco de vir a ser julgado por crime de lesa-pátria e animicídio
                                                           
Registo tudo isto
apavorado    temente    atormentado
com uma dolência descomunal

Registo tudo isto
como quem matuta na iminência da própria morte
– Ao mesmo tempo     um surto de raiva voraz adentra-me
 provocando  em mim uma indomável e cruenta ânsia de revolta

dinismoura

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Confidência

(Nótula autobiográfica)

como pessoa
Sou desinteressante
como poeta
Sou irrelevante
como incompetente
Sou brilhante


dinismoura

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Poesia
explica-me de novo
explica-me mais mil vezes
explica-me
como se eu fosse
um imenso esquecediço
a magia e a volúpia
do teu  imenso feitiço


dinismoura
Entretanto
a vida revelou-me
o seu maior segredo.
Sou agora a maior
avenida do medo.


dinismoura

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Vida


 Viagem que nas cercanias
da última estação começa
Mal vemos a paisagem
O comboio passa depressa

dinismoura

o mau político


erramos quando
o mau político criticamos.
o mau político esquece
tudo o que promete
- mas mais não faz do que
aquilo que lhe compete.
o principal propósito
do mau político
(e isso ele faz de propósito)
é deixar um país
em estado crítico.
o mau político governa
incompetentemente
mas fá-lo tão competentemente
que não conheço ninguém
que seja assim tão competente.
erramos portanto quando
um mau político criticamos.

dinismoura

eu tenho um grave
problema de audição:
eu só ouço bem aquilo
que me entra pelo coração.


dinismoura

quinta-feira, 13 de junho de 2013

As musas, essas mulas


as musas confiscaram-me a inspiração.
face a tamanho revés, até Fernando Pessoa, 
poeta mais viril que eu, ficaria sem tesão.


dinismoura

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Da saudade


Luxemburgo, diz-me,
Por que os teus carvalhos e ulmeiros
Não dão laranjas, camélias?
Por que não ensinaste ao teu sol
A conjugar os verbos do fulgor? Diz-me.
Luxemburgo, diz-me,
Por que não finges
Que tens mar, que tens praias?
Por que não semeias
No teu céu um azul ininterrupto? Diz-me.
Luxemburgo, diz-me,
Por que o teu chão não fica agarrado
Às solas dos meus sapatos?
Por que à noite
As tuas estrelas não contam melodias?
Por que a toada e o latejar das tuas ruas
Não convocam a minha alegria?
Diz-me, Luxemburgo, diz-me.                                                 


dinismoura

terça-feira, 4 de junho de 2013

O patinho feio

Triste, porque discriminado e aviltado
Pelo chefe da capoeira, um galo
Preconceituoso e empolado,
O patinho feio bica sua mãe com questões:
Pretende saber por que a sua cor
É motivo de tais depreciações.
Esta, cheia de penas, cacareja consolos:
– Não faças caso, meu lindo patinho,
São apenas tolices de um maluquinho.
Além de não ter cabeça, é racista:
O coitado só pensa com a crista.


dinismoura

averiguação



no desfiar das acontecências
só encontro um culpado:
a inocência dos nossos actos
semeados por todo o lado.


dinismoura
Um sonho:
que Portugal pintou
a  sua bandeira
com o vermelho da ira
que mora no coração dos portugueses
e com o verde da esperança
que esses mesmos corações perderam.
Pois seja esta a nossa nova bandeira!


dinismoura

domingo, 2 de junho de 2013

2 de Junho



hoje, finalmente, o burgo
viu o sol surgir enxuto.
o inverno, esse irritante, foi enxotado:
a primavera deu-lhe um chuto.
abençoados sejam pois o tino
desta estação e São Marcelino,
que escorraçaram o dito inquilino.

Luxemburgo 2013
dinismoura

sábado, 1 de junho de 2013

O meu coração é um imenso pomar repleto de Portugais.

                                                                                       
 dinismoura 

sexta-feira, 31 de maio de 2013

poematizando ao jeito de Mia Couto

(dedicado ao próprio)

se a este poema pretendes sacar o sentido,
terás de tornar-te, além de aguerrido,
atleitor de alta compoetização.
se assim não for, demite-te de tal pretensão,
pois jamais aquistarás as vitais compoemências
– é que a poesia também tem as suas exigências.


dinismoura

burocracia luxemburguesa


quando  se trata de estacões,
equinócios, solstícios
e semelhantes questões,
neste país de expeditas resoluções,
a burocracia, essa cavalgadura,
intromete-se, instala-se:
impõe a sua ditadura.
a primavera, este ano, por exemplo,
já perdeu a conta aos requerimentos,
dores de cabeça, horas de espera,
declarações e outros documentos.
estamos em fins de maio,
e esta temperada e amena estação
ainda não obteve a sua licença:
– exigem-lhe uma certidão.
o inverno, esse, anda há meses
à espera de um visto:
por causa disso, continuamos nisto:
chuva, chuva… – inclusive frio: uma chatice.
– até quando esta casmurrice?
o verão, pelos vistos,
espera-o  semelhante trato:
havemos de chegar a outubro,
e este à espera de contrato.

dinismoura


terça-feira, 28 de maio de 2013

Não te metas na minha vida
destino
Ela é irascível
e tem garras de felino

dinismoura

Lições de álgebra elementar

Nas más amizades
um mais um dá zero
Nas boas amizades
um mais um dá três.
– Isto contas de um matemático
Que das amizades as contas fez.


dinismoura

sábado, 25 de maio de 2013

o sol luxemburguês


(crónica sobre um astro desleixado)

o sol deste país
é de uma perturbante estranheza:
desde que obteve
a nacionalidade luxemburguesa,
não sei que nuvem lhe mordeu,
que do seu ofício se esqueceu.
o sol deste país
brilha, evidentemente,
mas brilha de modo diferente,
ou seja, quase  não brilha, o incompetente.
o sol deste país
– que nublada desilusão –
desaprendeu os dons da magia:
um transtorno, um temporal
–  um insulto à meteorologia.

                                               Maio 2013
                                              dinismoura

segunda-feira, 20 de maio de 2013

teorias e seus efeitos secundários


surgem tantas teorias, mas tantas teorias
quando um assunto ganha proporção,
que acabamos ganhando vigorosas alergias:
na paciência, edemas; nas ideias, comichão. 
                                                                                   dinismoura

amor


somente as cordas vocais dos amantes prodigiosos
têm a virtuosidade plena para tanger com apuro o amor
- cantiga que abrolha nos inescrutáveis jardins
desse ambicioso músculo chamado coração. 
                                                                                            
                                                                                               dinismoura

Lu(C)iana


Num céu embutido
De vistosas estrelas
A noite escreveu
Douradamente
Uma letra do teu nome
– Quarto minguante.

dinismoura

Não
Eu não vou morrer
Vai acontecer-me algo sublime, inaudito
Extravagante, excelso e fascinante:
Vou estilhaçar
Esplendorosamente
Vou estilhaçar
Numa folia de cores fulgurantes
Vou estilhaçar
Porque sou
Vitral de catedral.
                        
dinismoura

quando um encontro
é de tamanha importância
podemos designá-lo de encontrão?
mas quando ocorre um encontrão
pode alguém cair no chão.
pensando melhor
mais vale deixar as gramáticas como estão
- não vá um inóxio aumentativo
fazer alguém cair no chão.
                                                                dinismoura

sábado, 18 de maio de 2013

Sugestão


(Aos meus amigos)

Hoje à noite, alteremos os nossos planos.
À rotina, essa intrometida,
Nem digamos aonde vamos.
Hoje à noite, ao invés do café habitual,
Marquemos encontro na minha poesia,
Lugar com esplanada para o sensacional.
Meus dilectos, o que acham da ideia?
Óptimo! Vemo-nos às dez e meia.

                                                                   dinismoura 




quarta-feira, 15 de maio de 2013

Reveses do amor

Hoje fui multado
por excesso de sentimento:
primeira vez que tal 
a um apaixonado sucede
– pelo menos que eu tenha conhecimento.
                                                                                       dinismoura

domingo, 12 de maio de 2013

SMS para Luci



O meu coração é original 
mas sobretudo excêntrico:
tem-me a mim por fora
e a ti lá dentro.

                                                                                                 dinismoura

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Despertar


Abrir um livro de poesia ávido por devir corpóreo
e descomedido sorver-lhe uma metáfora
desmesuradamente extravagante e perdulária.
Num dia cercado de primavera
e com um sol a rebolar de contente
pelas ribanceiras do céu da manhã
– que melhor maneira de acordar do que esta?
                                                                                    
                                                                                               dinismoura