Currículo Vitae

Currículo Vitae

Poeta evadido e obstinado

Impetuoso e desassossegado

Poeta de quase tudo demisso

– Mas acima de tudo insubmisso

dinismoura

terça-feira, 2 de julho de 2013

Elegia de um português cismativo


(Num banco do Rossio)

Portugal padece de uma síndroma misteriosa     
uma síndroma incurável    atávica    congénita e contagiosa que afecta sobretudo
o sangue que irriga as entrosas do ânimo e o fulcro da motivação
Portugal não venceu ainda o mais temível dos Adamastores –
essa magoada apatia que o impede de tornar-se o timoneiro do seu ideal
Portugal aboliu provisoriamente da sua bandeira a cor da esperança−
o verde que tem é descor    desdém    náusea e marasmo − um vitral doloroso
Portugal tem mais de oitocentos anos
mas de quando em vez tem atitudes de uma infantilidade pungente
Portugal é um poema épico cujos seus mais recentes cantos ele mesmo
tem impunemente e sacrilegamente despoetizado
– Valha-nos São Camões e as suas Tágides
Portugal é um Panteão de alienados amordaçados por uma cegueira
que apenas consente uma ilusão fugaz
Portugal tem todas as caravelas e naus fundeadas nos seus portos
e os seus navegantes     desconhecedores da cartografia dos sonhos
esqueceram definitivamente os caminhos para todas as Índias
Portugal tem ainda por concluir vários Mosteiros dos Jerónimos
Portugal    ultimamente    tem-se fechado em igrejas de melancolia a cismar o seu epitáfio
– Ah     se não fosses a minha pátria     juro-te     pespegava-te com os Lusíadas nas fuças!
(Peço perdão…     pretendia escrever semblante)
Portugal já não sonha casar com uma princesa – Que sonhas tu     meu país     que sonhas tu?
Portugal é o único país do Ocidente que faz fronteira com a Europa
Portugal     muito estranhamente     não possui uma embaixada nas estrelas 
Portugal tem falta de políticas de destino    transcendência e ambição
Portugal dá todas as suas rosas à desesperação
– Ó pátria moribunda     antes desses silvas     urtigas    ou cardos
Portugal não viu nascer ainda aquele que o salvará das utopias que pretendem salvá-lo
Portugal há muito não assoma à Janela do Convento de Cristo de Tomar
Portugal perdeu o salutar hábito de passear pelo jardim que ele mesmo plantou à beira-mar
Portugal não acorda da sonífera vigília
que o impede de despertar de um carcerário sonambulismo
Portugal de outrora estava sedento de aventura
– nos dias que correm está saciado de desventura
Portugal descobriu vários tantos Brasis      mas agora não sai mais de si
– isso é mais que naufrágio: é Alcácer Quibir
Portugal ainda não se deu conta da via crucis que está a construir em direcção ao futuro
– Além disso     amargura cruciante     não vejo nesta terra cireneu algum apto para auxiliar coisa alguma
Portugal conseguiu curar a febre que o mantinha sadio
Portugal teima em manter-se sebastianisticamente embriagado de messianismos e afins
– Basta! Bebe realidade     caramba.
Portugal perdeu irremediavelmente o estatuto de potência espiritual
– Agora terá de expiar gigântico pecado
Portugal ignora de todo o paradeiro dos padrões que pretendia erguer no futuro
Portugal teve a demente    repugnante    odiosa e vil coragem
 de promulgar uma verminosa    nociva    sacrílega e pateta lei
que tenciona encerrar todas as Escolas de Sagres
– E a turba atónita nem um brado dispara…    (Que cambada de exímios paspalhos… )  
Portugal mergulhou no verdete do esquecimento as estátuas dos seus avós-santos-heróis
Portugal há muito deixou de ser hábil na arte de acreditar nas suas forças
Portugal menoscaba a voz dos seus poetas
 – e isso     consequentemente      está a carcomer  a medula das arcadas
que sustêm o pulsar de todos os seus sonhos
Portugal é uma nação de portugueses desterrados que sonham poder um dia voltar ao seu país
Portugal corre o seriíssimo risco de vir a ser julgado por crime de lesa-pátria e animicídio
                                                           
Registo tudo isto
apavorado    temente    atormentado
com uma dolência descomunal

Registo tudo isto
como quem matuta na iminência da própria morte
– Ao mesmo tempo     um surto de raiva voraz adentra-me
 provocando  em mim uma indomável e cruenta ânsia de revolta

dinismoura

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Confidência

(Nótula autobiográfica)

como pessoa
Sou desinteressante
como poeta
Sou irrelevante
como incompetente
Sou brilhante


dinismoura