Currículo Vitae
Currículo Vitae
Poeta evadido e obstinado
Impetuoso e desassossegado
Poeta de quase tudo demisso
– Mas acima de tudo insubmisso
dinismoura
terça-feira, 6 de maio de 2014
terça-feira, 4 de março de 2014
Os naufrágios do amor exigem
medidas drásticas e extraordinárias.
Depois de dezenas de requerimentos,
o mesmo número de insistências,
muita perseverança e algumas rezas,
eis que finalmente surgiu uma vaga.
Foi ontem à tarde.
Durante um bom par de horas
estive à conversa com Santo António
– A ver se me arranja uma moçoila,
uma moçoila carinhosa, bonita, fiel.
A agenda a transbordar,
imensos pedidos, permanentes quefazeres.
– Por tais e quejandos motivos, vi-me forçado
a acrescentar mais três dias ao mês de Fevereiro:
até ao dia 31 não terei mãos a medir.
Ainda pensei que esse assunto das redes socais
contribuísse para aliviar-me a carga – mas qual quê?
A faina duplicou, triplicando-me destarte as preocupações.
Depois em gestos medidos,
numa expressividade parenética:
logo que sobeje tempo
prometo tratar disso.
Como estava a dizer-lhe,
há depois aqueles peixes mais ariscos.
Eu bem fui insistindo na rogatória,
falei na cor dos olhos, que os queria
castanhos, como os da minha mãe.
Gostaria dela com cabelo comprido,
pele branca, sorriso de flor de cerejeira,
pernas de Vénus de Botticelli,
mas o canonizado tagarela passou o resto
da tarde a discorrer caudalosamente sobre
peixes, anzóis e canas de pesca
– e eu a ver navios.
dinismoura
O pintainho preto
Triste, porque discriminado e aviltado
Pelo chefe da capoeira, um galo
Preconceituoso e empolado,
O pintainho preto bica sua mãe com questões.
Tenciona saber por que a sua preta penugem
É motivo de tais depreciações.
Esta, cheia de penas, cacareja consolos:
– Não faças caso, meu lindo pintainho,
São apenas tolices de um maluquinho.
Além de não ter cabeça, é racista:
O malvado só pensa com a crista.
dinismoura
(A Filomena de Jesus, minha avó)
A noite percorrendo o seu vasto,
esplêndido e milenar itinerário,
liturgia exuberante do cosmos, e a minha avó,
no interior da sua pequenina casa, deitada na sua pequena
cama,
segurando nas mãos um confidente, aficionado e puído terço,
reza devotamente a Deus e pede-lhe por todos os seus.
Com as suas pequenas mãos, duas pequenas rosas, santas,
a minha avó, clareira de fé, pega no terço com a mesma
ternura
com que tantas vezes ao colo pegou as filhas, os netos e as
vidas deles,
e roga, reza, celebra caminhos inexplicáveis, insondáveis.
Beija o crucifixo. O céu benze-se, ajoelha-se. Acendidas, as
palavras ascendem.
Minha admiração perante estes actos sagrados.
No interior do seu pequeno quarto, rodeada de uma missa de
silêncios,
a minha avó, comungando uma luz impercetível,
murmureja, como a alma das capelas, pai-nossos, ave-marias,
glórias
e pede a Deus que zele por todos os seus e guarde a alma dos
que já partiram.
Nada pede para si. Nada.
Que grandeza incomensurável.
dinismoura
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